Escrevi no blog do CineSemana o que achei de Ensaio Sobre a Cegueira. Como escrevi lá, ainda não consigo dizer tudo que pensei sobre o filme. Em parte porque realmente há muito para assimilar, em parte porque há questões que só poderia discutir com alguém que também tenha visto e, em parte, porque existem coisas sobre as quais conseguimos pensar, mas não conseguimos falar.
É um bom filme. Excelente, talvez. Ainda não me decidi. É engraçado: logo depois da sessão comentei que quem acompanhava o blog do Meirelles sobre a produção tinha um gostinho a mais ao assistir o filme por reconhecer nele decisões e conflitos que o diretor tinha apresentado no site. Mas agora começo a pensar que talvez seja o oposto. Quem lia o diário do Meirelles sabe da dificuldade que ele teve, por exemplo, em achar a medida da sujeira. Ele temia que as imagens ficassem repulsivas demais, mas também não queria fazer um filme limpinho para agradar Hollywood. Resultado que, até agora, eu também não sei dizer se achei o filme limpo demais ou na medida certa da exposição do imundo. Suspeito que se não tivesse acompanhado o processo de criação do diretor, eu nem estaria me perguntando isso agora.
É o lado ruim de ver o "como se faz" da arte. Não houvesse blog, Ensaio Sobre a Cegueira teria chegado a mim como uma obra definitiva, acabada e imutável. Mas não, chegou como o estágio de um processo de criação que, de uma maneira ou de outra, me incluiu, ainda que eu fosse apenas observadora distante. E isso mudou a maneira como olhei para o filme. Como se toda a montanha de particularidades técnicas ainda pudessem ser discutidas, quando, na verdade, agora só podem ser avaliadas.
Não li o livro, então não posso dizer se a adaptação foi fiel. Mas posso dizer que o filme dá vontade de ler a obra do Saramago por conter tantas informações visuais que a gente fica se perguntando "como será que isso estava escrito?". Confesso que a cena final me intrigou tanto que hoje li a última página do livro. Gostei mais do filme. São coisas incomparáveis, filmes e livros, é claro. Mas que o Meirelles fez um trabalho muito, muito competente, não há dúvidas.
sexta-feira, 12 de setembro de 2008
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6 comentários:
Vi o filme ontem. Não acompanhei muito a produção e tb não li o livro. Só participei um pouco da discussão da sujeira. Sai do cinema com mta vontade de ler o livro, até por esse lance de adaptação. Acho a escrita do Saramago mto peculiar, por isso gostei mto da direção do Meirelles. Sobre a questão da sujeira. Sinceramente, para mim não faria diferença mais sujo menos sujo, porque fiquei muito atenta aos personagens e suas reações. Claro, um lugar limpo não seria verossímel. No mais, quero ler logo o livro e depois rever o filme, para fazer um novo teste.
Oi Julia,
Eu li o livro faz alguns anos já, mas ao assistir o filme ele inteiro me voltou a cabeça. Me impressionou muito como o filme é fiel ao livro. Na real, foi o filme mais fiel a um livro que me lembro de ter assistido.
Gostei do filme mas o livro foi mais intenso... algo legal do livro é o narrador que chama os personagens usando alguma descrição deles (ex: a rapariga de óculos escuros) em vez de usar nomes. No filme isso não é mostrado mas percebe-se que não é mencionado nenhum nome.
cheguei do cinema faz 5 minutos com um sentimento absurdamente grande de que faltou alguma coisa. e lendo o que tu escreveu, dantas, acho que a questão é, mesmo, em relação à sujeira. na real, deve haver algo mais, mas ela salta aos olhos, pelo menos agora. e digo sujeir não só como cenário, mas na trama em si. talvez seja algo q eu tenha contra o mark ruffalo ou a alice braga, talvez seja algo impossível de adaptar ou talvez, simplesmente, o meirelles tenha exagerado um pouco na vontade de deixar 'menos repulsivo'...
não vi o filme, não li o livro, só vim registrar que sou totalmente contra permitir ao público acompanhar o processo de criação. O público pode ganhar pistas, tipo "estava passando na rua e vi aquele muro. Achei as cores interessantes", para que o futuro espectador imagine que o muro será usado em alguma tomada.
Acho que essa inovação típica da sociedade aquariana tira autonomia do espectador/leitor em relação à obra final. Sem autonomia eu não gosto de ler ou ver alguma coisa.
luís, acho que é uma decisão que cabe ao artista e ao público, não? se o diretor acha que a experiência pode acrescentar algo à obra (ou acrescentar algo ao público mesmo que não relacionado à obra), não vejo problema.
até porque ninguém me forçou a entrar no blog e ficar lendo. tu, por exemplo, tem toda a liberdade para manter tua autonomia e ir assistir ao filme sem conhecimentos prévios sobre ele (quer dizer, agora meu post já meio que acabou com essa possibilidade, mas aí a culpa é minha e não do meirelles ou da sociedade aquariana).
particularmente, gostei de entender mais do processo de construção de um filme e ter um vislumbre do que se passa na cabeça de um cineasta. reconheço que houve o lado ruim, como escrevi no post, mas também há vantagens. se até agora não consigo saber se o filme era limpo ou sujo demais, o blog do meirelles me deu algumas melhores noções de crítica de cinema por exemplo.
essa sensação de ver uma obra de arte como ainda "aberta" é provavelmente o que os críticos buscam para poder apontar o que funciona e não funciona em um filme. apenas se colocando no lugar do diretor é possível repensar as decisões que ele tomou. meirelles facilitou esse "colocar-se no lugar do diretor" imensamente quando resolveu expor exatamente onde ele estava.
enfim, vejo vantagens e desvantagens. também não sou fã do "processo pelo processo" que, com bastante frequencia, coloca em exposição apenas obras de arte inacabadas com a desculpa de que o importante é o processo. mas quando a exposição do caminho percorrido é só isso mesmo, e a obra está lá, inteira e - mais importante - independente, não vejo problema.
bem, percebo que o teu olhar é de crítica de cinema. De fato, não há muita diferença entre acompanhar o blog do Meirelles e escrever um artigo depois de ficar horas bebendo com ele num bar qualquer, como fizeram muitos críticos de cinema no século XX, julgando que a proximidade do autor - e por consequência, do seu processo de criação - facilitaria a crítica.
Aì eu entendo perfeitamente. Facilita mesmo, pois dá base aos argumentos, permite uma análise nas questões do filme que realmente importam. Neste caso, o que a sociedade aquariana traz de novo é o fato de que existe um público bem maior de críticos com a possibilidade de observar isso - não apenas aquele jornalista, eleito dos deuses, que pode dividir uma mesa de bar com o diretor.
Como mero espectador, eu só gosto de ver o processo de criação de um filme do qual gostei muito. Nunca leria um blog sobre um filme que ainda pretendo ver pela questão da autonomia - mas se fico curioso para saber mais, é evidente que vou atrás dos meandros.
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