Já faz algum tempo que vi Na Natueza Selvagem, a história do guri que largou família, dinheiro, namorada e foi para o Alasca. Sobre o filme em si, até poderia fazer algumas críticas. O ator é bom, mas não é extraordinário, tem momentos em que o personagem só convence porque a gente já sabe que a história é real e a fotografia também não é espetacular. Mas só digo tudo isso para concluir que não importa, Na Natureza Selvagem é o único filme que eu baixei, assisti e não apaguei. Isso é muito, vindo de alguém que nunca viu nem um curta-metragem duas vezes.
Voltei a pensar nele porque eu tinha recomendado à Suzana e ela finalmente viu e começamos a debater. Como de praxe, eu não disse quase nada do que eu queria ter dito devido a certa desorganização interna de pensamentos. Tenho certeza que quando me pegam de surpresa eu fico parecendo umas três vezes menos inteligente do que sou porque quero dizer tudo ao mesmo tempo, não consigo afunilar e acabo dizendo qualquer bobagem. Enfim, deve acontecer com todo mundo. Desabafos à parte, o que eu teria dito se conversas fossem marcadas com aviso prévio é que o que há de admirável na vida do tal Chris é que ele fez uma escolha.
Não que eu admire a escolha dele. Eu não iria pro Alasca. Faz frio e é muito, hmm, branco. Se eu fosse largar tudo (tudo o quê? vocês poderiam perguntar e fico feliz que a escrita seja uma atividade solitária e de via única), eu iria morar em uma praia tropical com frutos caindo das árvores, peixes saltando do mar e grandes folhas de bananeira que servissem de cama, telhado e cobertor. Mas também isso é detalhe, provavelmente quer dizer apenas que enquanto Chris estava em uma saga quase contra a natureza, de conquista e dominação, eu estaria muito mais a fim de me integrar.
O importante é que, independente do que foi, ele escolheu. Parece meio clichê de discurso-de-enterro esse papo de "ele escolheu", quase Frank Sinatra que did it his way e tal, mas como todo clichê, a gente vê tanto por aí que chega uma hora em que passa por cima e não vê mais. Eu só me dei conta do peso que tem alguém tomar decisões quando me dei conta do contrário, quando vi que são extremos opostos as pessoas que fazem escolhas e as pessoas que justificam a vida dizendo que as coisas foram acontecendo.
Você um dia tem vinte anos, arranja um emprego que paga o aluguel, passa os feriados na praia, um dia pensa em largar tudo e estudar fotografia em Barcelona, mas aparece uma promoção que paga um aluguel de um apartamento melhor, encontra alguém que poderia amar, fica sem tempo para nada, as coisas vão acontecendo e, aos 40, você é o sujeito que mora em uma casa de dois andares de um bairro residencial de classe média, tem filhos no colégio e nunca foi à Espanha. Ou nunca trabalhou em um Cruzeiro. Ou nunca arranjou tempo para estudar para o concurso público que pagaria o bastante para que você desenvolvesse a habilidade de separar com altos muros a vida profissional da pessoal. Não importa. Realmente não importa o que era que você queria fazer, importa se fez.
Eu acho um bocado tristes as pessoas que vão acontecendo. Não no sentido de que eu as julgue por isso, mas no sentido de que elas aparentam tristes. Nas paradas de ônibus, nas filas de supermercado, atrás dos vidros dos carros, é fácil identificá-las. Elas têm qualquer olhar embaçado, qualquer gesto desmedido que denuncia que estão há tempo demais vendo o mundo de fora. Até acho necessário deixar um pouco as coisas acontecerem sozinhas, tanto porque às vezes é preciso sair de cena e respirar fundo quanto porque, caso contrário, não sobraria espaço para a vida nos surpreender. Mas nesse jogo entre o deixar rolar e o tomar as rédeas da vida deve ter um ponto de equilíbrio e acho que pulo do gato é justamente encontrá-lo.
E este, o sétimo parágrafo, é o momento em que eu digo que ou escrevendo eu também pareço três vezes menos inteligente ou eu tenho neurônios bem mais ordinários do que eu supunha porque juro que todas essas idéias pareciam bem mais brilhantes na minha cabeça. Mas serviu para provar que provavelmente eu nunca vou parar de me surpreender com a quantidade de voltas que a gente precisa dar até chegar às conclusões óbvias. Na vida, é preciso fazer escolhas. Descobri a América, não é, não?
quinta-feira, 21 de agosto de 2008
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4 comentários:
tou assistindo - digo, não nesse instante, 'tou' porque comecei e não terminei; e não porque sou desses que começam e não terminam, mas deu um tilt na legenda e preciso consertar não sei como - o tal filme esse. foi-me indicado por um amigo (engenheiro, não querendo ser preconceituoso mas já sendo). tou gostando do filme, mas gostei mais do teu 'relato'. vamos discutir hora dessas.
e que esse 'hora dessas' não seja do tipo das pessoas que vivem no mundo dos adultos e que deixam as coisas acontecerem.
é.
Olha, eu nunca viajei para a Espanha e não tenho pretensões. Por mais que seja totalmente contra o senso comum, acredito que é possível sim aproveitar muito a vida fazendo coisas que possam não parecer tão emocionantes como pegar uma mochila e viajar pelo mundo.
Não sou exemplo pra ninguém e todo mundo sabe a aventura que estou passando com essa história de criar a Morgana, mas o fato é que, quando adolescente, antes de sair de banda pelo mundo eu sempre pensei em ter a minha própria vida. E isso envolve coisas comezinhas como o aluguel de um apartamento, uma louça lavada, uma cama arrumada. Não parece ser um feito grandioso para quem tem 23 anos, como seria por exemplo ir para o Alasca. É uma questão de necessidade e prioridade.
Quando eu tinha 16 anos dizia uma coisa que parecia idiota para a maior parte dos meus amigos: antes de aprender a dirigir, eu quero morar sozinho. Era um tema que aparecia sempre que falavam em carros, carteiras de motorista e como era legal poder ir às festas dirigindo. Me chamavam de louco por isso. Hoje, eu não moro mais com meus pais. Claro, por motivos diferentes os quais imaginava na época - a Morgana, a Renata, etc. Mas sete anos depois, não aprendi a dirigir. Agora, quero aprender e também quero ter um carro.
Na real isso é para dizer que não é olhando para uma cara triste na rua que dá para perceber quem segue o fluxo e quem comanda os remos. Nem sempre isso é uma questão tão latente. Tem horas que são tantas decisões a tomar sobre a tua vida que tu acaba tendo o desejo enorme de alguém que faça escolhas por ti.
No filme Harry e Sally aparece um diálogo, lá pelas tantas:
- Eu nunca quis ter filhos, por que isso afetaria a minha liberdade. Com filhos não dá para fazer certas coisas.
- Como o quê?
- Ora, viajar para Paris, transar no chão da cozinha.
- Hum. E como é Paris?
- Nunca fui, tive que estudar, trabalhar...
- Ah, certo. E quantas vezes tu transou no chão da cozinha?
- Nenhuma, a laje é muito fria.
mas aí que tá, luís. eu não estou me referindo a decisões de largar tudo, muito menos de coisas emocionantes. até ia evitar o papo da espanha pra não parecer isso, mas como é comum ouvir gente dizendo que gostaria de ter ido e não foi, deixei. mas o mesmo vale para o cara do concurso público ou a menina que teve que estudar, trabalhar...
porque, justamente, assim como filhos não te impedem de ir a paris ou transar na cozinha, todo mundo tem que estudar e trabalhar e isso não deveria ser o resumo da tua vida ou a justificativa para tu não ter feito outras coisas.
e tu diz que não é exemplo, mas tua história prova que é. antes de dar banda pelo mundo, tu queria a tua vida. e agora tu tem. tu decidiu que ia morar sozinho antes de aprender a dirigir. e aí o que tu fez? foi lá morar sozinho e depois começou a pensar em ter um carro.
é isso. tu fez escolhas. é claro que elas sempre vão ser apenas linhas gerais do que queremos, até porque tu não teria como escolher se apaixonar pela renata, escolher o desejo de ter um filho, etc. mas tu escolheu a construção de uma vida, de uma casa, de uma família. eu acho um feito grandioso para pessoas de qualquer idade.
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